Vivemos um tempo em que muitos ainda esperam que o despertar venha de fora. Como se a transformação fosse algo que se instala magicamente, ou que depende de uma figura externa, de um método específico, de um momento ideal. Mas e se o verdadeiro ponto de virada estiver dentro? E se o voo mais alto só puder acontecer quando assumimos a responsabilidade radical por nossa própria jornada?
Há um momento na jornada em que já não cabe esperar. Não se trata mais de buscar fórmulas prontas, nem de sustentar máscaras cuidadosamente construídas. Algo dentro de nós sabe: o que nos trouxe até aqui já não serve para continuar. E é exatamente nesse limiar que o verdadeiro despertar acontece. Não como um rompante místico, mas como um chamado silencioso, firme, claro, inevitável. Neste artigo, inspirado no discurso “O Discurso da Águia”, conduzido por Saulo Nardelli em outubro de 2020, mergulhamos em um chamado profundo: a coragem de ser aquilo que já somos, sem máscaras, sem muletas, sem adiamentos.
A águia que habita em nós está pronta para alçar voo. Resta saber: estamos prontos para assumir esse céu?
O fim do ruído: o que resta quando o barulho cessa?
Quantas vezes nos pegamos tentando sustentar uma versão de nós mesmos que já não faz sentido? Como uma geladeira velha que faz barulho incessante, gastando energia, insistimos em manter ativa uma identidade que, no fundo, nos esgota. Essa imagem desconcertante da geladeira velha que vibra, incessante, dia e noite, representa o personagem que insistimos em sustentar, mesmo quando ele já não nos serve mais. Faz barulho, consome energia, nos desconecta do silêncio interior. O ponto é que esse ruído não é real, é alimentado por medo, repetição e apego.
A meditação silenciosa expõe isso com clareza: quando cessa o ruído, o que sobra? O Ser. Mas a transição entre uma vida movida por ruídos e uma vida guiada pela presença exige algo essencial: autoridade interior. Mas só quem tem autoridade pode comandar, ninguém tem mais autoridade sobre você do que você mesmo.
Saulo lembra: ninguém pode comandar sua vida por você. E se você ainda espera por alguém que o desperte, está se enganando. Sentar-se em postura de escuta é reconhecer: o mestre não está fora, está no centro do seu próprio peito.
Importante ressaltar que assumir o comando não é controlar, é assumir a Presença, é se colocar na posição de receber sem autoengano, sem distração. É reconhecer que, se algo precisa mudar, é de dentro que esse impulso deve partir.
A visão da águia e o arquétipo do desperto
A águia, símbolo desse discurso, não é apenas majestosa ela representa a visão desperta. Ela tem algo essencial: visão. Seus olhos estão voltados para frente, como os de todos os animais de caça, diferente dos que têm os olhos nas laterais, como o veado ou a vaca, que precisam ver o perigo ao redor, mas não enxergam o que está diretamente diante de si. Assim somos quando não assumimos nossa autorresponsabilidade: vivemos na defensiva, com medo, reagindo aos outros, guiados pelo que vem de fora.
A águia nos mostra um outro modo de existir: presença, foco e direção. Ela não voa por impulso, mas por clareza. Ser águia é assumir a responsabilidade pelo próprio voo, pela própria visão, pelo próprio despertar. É escolher observar com atenção, discernir com sabedoria e agir com consciência. Quem vive apenas na lógica da sobrevivência não enxerga o essencial. Reage, repete, se protege. Olha para os lados, mas não vê o que está à frente, permanece preso aos ruídos externos e refém dos movimentos dos outros. O voo da águia rompe esse ciclo, ele começa quando você silencia, se alinha e decide olhar para frente com coragem para ver, com maturidade para escolher e com confiança na nitidez da sua própria visão interior.
Essa metáfora nos leva a uma pergunta inevitável: em que momento deixamos de ser a águia, e passamos a viver como presas?
A resposta está no lugar onde colocamos nossa responsabilidade. Quando transferimos nosso despertar ao outro, ao mestre, ao guru, ao terapeuta, ao sistema, nos tornamos espectadores da nossa própria vida. O discurso da águia nos convida a reverter isso, a nos tornarmos autores da nossa experiência.
A pureza da intenção: nem culpa, nem idealização
Talvez você pense: “Mas eu não sou puro o suficiente para esse caminho.” E aí está um grande equívoco, e uma das passagens mais potentes do discurso é quando Saulo desconstrói a ideia comum de pureza. A pureza de que se fala aqui não é a idealizada pelo moralismo, mas a autenticidade da intenção, a águia caça, rasga, devora, e nem por isso deixa de ser sagrada. Seu papel é claro, sua presença é plena, porque tudo nela está em coerência com seu propósito. A pureza não é ausência de erro, é presença de intenção clara.
Da mesma forma, nada do que você fez, faz ou deixou de fazer o torna impuro, indigno que define sua dignidade espiritual. O que realmente importa é o intento com que você age, decide, silencia, fala. É essa coerência que transforma a vida comum em vida sagrada. O convite da vida é para florescer, mesmo que você esteja no asfalto. Basta uma gota de água, basta uma escolha verdadeira.
O corpo como portal da consciência
Neste ponto, o discurso mergulha em uma dimensão mais palpavel, o corpo como solo do espírito. Quando nos colocamos em postura de entrega, algo começa a se reorganizar, o despertar não é apenas sutil ou filosófico; ele precisa se enraizar na matéria, atravessar a respiração, refletir-se na disciplina com que nos alimentamos, pensamos, sentimos e escolhemos, exige presença real, não apenas intenção.
Trata-se de um compromisso com a inteireza: física, emocional, energética e espiritual. As mãos vibram, sinal de que estamos prontos para curar e servir. Os pés se firmam no chão, ancorando nossa presença no aqui e agora. A coluna se ergue, revelando mais do que postura: revela dignidade espiritual.
Tudo em nós participa do despertar. Se negligenciamos o corpo, se nos alimentamos de pressa e ruído, se ignoramos as emoções ou banalizamos nossos pequenos gestos, estamos, mesmo sem perceber, dizendo ao universo: “ainda não estou pronto”. É como pedir asas, mas manter os ombros curvados. É por isso que Saulo propõe, e vivenciamos na Sangha, um caminho que sustenta o Ser em 4 pilares inseparáveis: o físico, o mental, o social e o espiritual. São como as quatro asas do mesmo voo, sem um deles, a jornada se desequilibra, com eles integrados, o voo se torna pleno, enraizado e verdadeiro.
A boa notícia é que o despertar não exige perfeição, apenas disponibilidade. Coragem para abrir espaço, cuidado para sustentar, humildade para recomeçar, e confiança para deixar o corpo, a mente, os vínculos e a alma se tornarem instrumentos conscientes da luz.
Outro ponto vital: é que a purificação mencionada por Saulo não tem a ver com ser “bonzinho”, ela não exige penitência, nem se baseia em culpa, é um compromisso com a verdade. E, muitas vezes, a verdade é desconfortável. A águia, novamente, nos ensina: ela é bela, mas também é feroz. Seu papel no ecossistema é devorar, é caçar — e nada disso a desonra. Assim também você: o que importa não é parecer espiritual, mas agir com verdade, com presença, com clareza. Você está se purificando quando para de fugir de si. Quando começa a se nutrir com o que sustenta seu Ser. Quando diz “sim” à sua grandeza e “não” ao que te mantém pequeno.
O voo final: presença, comunhão e destino
Ao final do discurso, Saulo descreve uma mesa onde todos estão sentados e cada um com seu pão, sua travessia, sua fome. A metáfora da ceia nos relembra: ninguém está acima ou abaixo. Todos somos convidados à mesa da vida. A diferença está em quem escolhe realmente se alimentar.
A águia voa só, mas não está isolada. Ela é símbolo da comunhão com o céu, com a Terra, com o propósito. Ela age em nome de algo maior, sem perder sua identidade. E é isso que o discurso nos convida a viver: a integração entre liberdade e responsabilidade, entre silêncio e ação, entre devoção e autonomia.
Que tipo de visão você tem cultivado?
Você tem olhado para frente, com nitidez e coragem? Ou ainda vive com os olhos nas laterais, movido pelo medo, pela comparação, pela expectativa do outro? O voo está disponível. O céu está aberto. Mas só voa quem reconhece que já tem asas, e quem decide, com coragem, usá-las.
Você é o caminho. Você é o voo. Você é o céu.
Se algo em você pressente que chegou a hora de alçar voo, vá além da leitura.
Este texto é apenas a borda da montanha. O vento real, aquele que toca as penas invisíveis da alma, está no encontro vivo com a palavra que pulsa. O discurso completo, conduzido por Saulo Nardelli, não é apenas uma fala. É um chamado, uma travessia, um espelho para quem já pressente as próprias asas.
🎥 Assista ao discurso completo
Para aprofundar-se nesse ensinamento, assista ao vídeo completo aqui:.
